domingo, 23 de março de 2014

Ankara

Capital da República da Turquia.
Ankara (diga, Ánkara) tem seu valor histórico, foi parte da pré-história, foi assentamento de diversos povos, foi parte do império hitita, grego, romano/bizantino, e como toda a região, foi parte do Império Otomano, cuja capital era Istambul.
No início do século XX, o sultão estava perdendo suas rédeas, no governo, insurgências de diversas minorias começavam a aparecer, o dinheiro sumia, a administração era corrupta demais.
Havia, no Império, tolerância para com os diversos povos que nele habitavam: curdos, armênios, gregos, judeus, povos de origem árabe, e todos queriam se separar do império otomano e havia também, muitas rebeliões nas fronteiras com os países do Império Austro-húngaro, nas Balcãs. Tudo isso originou a Primeira Guerra Mundial.
Em Ankara, começou, então um movimento para a proclamação da República da Turquia, que aconteceu no dia 19 de outubro, de 1922. Foi derrubado o império otomano, o líder da rebelião, Mustafa Kemal, mais conhecido pelo nome de Atatürk, foi empossado presidente, as minorias foram expulsas do país e a capital passou a ser Ankara, que se situa bem no centro da Anatólia.
Aqui vai um retrato de Atatürk, como não podia deixar de ser, pois quem vai à Turquia, vai ver este rosto em todo lugar.

Uma das coisas mais importantes que ele fez, foi decretar que, a partir da proclamação da República, todo mundo passasse a ter nome e sobrenome, pois até então, ninguém tinha sobrenome!!!
Outra medida importante, foi transformar a língua turca, que utilizava o alfabeto árabe para ser escrita, e passou a ter seu alfabeto com letras ocidentais, secularizando também a língua.
Muitas outras medidas foram tomadas, para que a Turquia se unificasse como país, mesmo que algumas delas fossem cruéis. Atatürk era adepto do Iluminismo, prezava muito a cultura, a ciência, a arte, a tecnologia e queria modernizar o estado.
É claro, que o progresso daí advindo, foi grande, apesar dos conflitos e rebeliões intestinas, apesar de medidas duras para com os povos das minorias étnicas. A república se beneficiou tanto de suas mudanças, que é reverenciado até hoje, como grande líder, que sem dúvida, foi.
Seu mausoléu está em Ankara. Fomos visitar o museu da República, muito andamos em Ankara, mas a cidade é gigante, quase nada conhecemos.
Subida para a Citadela 
Gralha e passarinhos no jardim da Citadela
Fomos aos museus que conseguimos visitar, apesar de todo nosso cansaço. Afinal, Ankara era passagem obrigatória para Malatya, para onde iríamos, depois. Nesta passagem, fizemos tudo que deu para fazer, mas foi lá que nosso comandante perdeu a bússola...
Vista da Citadela, ao amanhecer, com a atmosfera pesada de poluição. Ankara.



Fomos à citadela de Ankara, para vermos o lado antigo da cidade, com casas otomanas, o lado moderno parece-se muito com São Paulo. Não ficamos curiosos demais. Porém a cidade tem muita coisa a oferecer. 
O mais importante que fizemos em Ankara, foram as visitas aos museus. Vimos o museu Étnico, o Antropológico (que pena que estava em reforma, deixamos de ver dois recintos) e o da República.
Ao lado do museu Étnico (que prédio bonito!) há outro museu, mas estávamos tão cansados, que deixamos para a "próxima vez", o que é um erro, mas eu estava exausta demais para protestar.
Como talvez fale sobre museus, mais tarde ou talvez não fale, vamos passar por Ankara, mais rapidamente.
Devo registrar aqui, um restaurante, onde comemos as mais deliciosas meze e refeições. O nome do restaurante é Bogaskale. Nome de uma das localidades que iríamos mais tarde.
 Foi em Ankara, no Museu Antropológico, que começamos a perceber a presença dos hititas, na civilização. É impressionante a quantidade de relíquias e cidades deste povo guerreiro, que viveu há tanto tempo, descobriu tantas coisas, fabricou tantos objetos de arte, monumentos, estelas, estátuas, baixos-relevos, joias, armas, carruagens de linhas simples e leves, técnicas de construção super interessantes, enfim, toda uma civilização extinta no século VII aC. Extintos mas viveram cerca de um milênio e seu império se situava nos terrenos férteis da Ásia Menor.
Rivalizavam-se com os egípcios, em termos de poder e grandeza. A partir de Ankara, os hititas estarão mais presentes em nossos passeios.


sábado, 1 de março de 2014

Musas e museus



Outro dia, abri um bolso onde guardo os ingressos de museus e sítios arqueológicos que visitamos, na Turquia e penso na pequena fortuna que gastamos para ver o que vimos e andar por onde andamos. Sim, para tudo, tem que pagar ingresso. Na porta das ruínas, lá está a esfinge de olhar cruel, dizendo a célebre frase: "Decifra-me ou te devoro."
É assim que imagino a Anatólia, a Ásia Menor, a Turquia: uma esfinge, que sopra em sua cabeça sua frase e abre suas portas para que decifremos suas questões. Coloca em nossa mente a vontade de investigar os porquês, de perguntar mais ainda e decifrar, mas como? É tanta coisa! São tantas civilizações superpostas, tantos os mistérios, que a Esfinge nos fisga com uma corrente de metal, como a que os otomanos esticavam no Bósforo, durante a noite para que nenhum navio entrasse no estreito. Não nos solta nunca mais.
Suga nossa medula e tutano, levando de nós cada centavo economizado, deixando dívidas em seu lugar, mas nos mostra tanta beleza e nos recebe tão bem, que a única vontade que se tem é de voltar e conhecer mais e tentar decifrar, sabendo que não vai conseguir e lá deixar novamente tudo que você juntou.
Outra probleminha é o huzun. Um sentimento fininho, perfurante, doloroso, melancólico, que enche os olhos de lágrimas inexplicáveis. Quem sentiu, coitado, está perdido. Huzun só se parece com a música dos dervixes e só se traduz com o som do ney. Uma dor bonita! Uma melancolia bela e variada, cheia de ventos de chuva e asas de gaivota, risos de crianças e minutos de silêncio, trânsito intenso e paisagens rurais, ruínas em meio à modernidade, plantações em estufa no centro da cidade, mercados e mercadores...
O huzun gruda como betume, difícil de desgrudar. Quem pegou, coitado, está perdido.
Os aromas da Turquia, os sabores, o sol acariciante do outono, a sua lindeza visual e o sentimento de huzun, traduzem-se no som da música que irei colocar a seguir. Escutem como dói o huzun e entendam o que sinto. 

Sagalassos - tradução

Texto de Leslie Walsh, tradução e pitacos, de Ane*
 
Uma rua de comércio, da cidade. A direita, a montanha de Alexandre, onde ele acampou, com suas tropas, para atacar Sagalassos.

Montanha de Alexandre, vista do teatro.



 A última das cidades romanas que iríamos visitar, seria Sagalassos.
Nunca tinha ouvido falar de Sagalassos, até que abri as páginas da revista de voo da Turkish Airlines, onde havia um artigo que descrevia algumas de suas belezas. Fiquei mesmerizado com a 'cidade das nuvens' e fiz uma nota mental para encontrá-la.
Desde seus primórdios, na Idade do Bronze, Sagalassos desenvolveu-se em um importante ponto de comércio entre os povos da Pisídia, localizada no ponto mais alto da rota de Antalya, para o  sul. As tribos pisídias eram da mesma cultura que os terméssios e quando Alexandre desviou-se para o norte, evitando Termessos, era óbvio que ele não deixaria uma hostil Sagalassos para trás. Há uma montanha ao sul da cidade, que leva seu nome, pois foi onde ele derrotou os exércitos pisídios que a defendiam. 
Localiza-se encrustada em uma parede rochosa, a uns 7 km da vila de Ağlasun, 4 km em linha reta, mas o motorista nos cobrou 30 liras para nos levar e buscar, duas horas mais tarde - nosso tempo era curto. Ağlasun é uma cidadezinha bonita que aos poucos está colhendo os benefícios do turismo arqueológico. Fica a 30 km de curvas através de pinheirais e córregos límpidos, de Isparta, a capital turca das rosas.
Os primeiros sinais de habitação são túmulos de pedra, na necrópole pré-romana, que fica esculpida no alto da rocha ao norte da cidade, mas nossa visita começa na cidade baixa.
Sagalassos, como outras cidades montanhosas, foi construída em níveis. A estrada ao sul, subindo até a Porta de Tibério, deve ter sido um portal impressionante em direção a esta cidade branca, feita de mármore. Esta estrada de colunas com pórticos, de 300m de comprimento, começa onde era um templo em louvor a Adriano, que deve ter sido erigido depois de sua morte, pois o imperador figura como deus.
Tumbas pisídias na Necrópole de Sagalassos

Como em todas as cidades da Ásia Menor, a presença de Adriano é forte, também aqui. Os pisídios foram facilmente dominados e adaptados pelos romanos. Alguns romanos mudaram-se para a cidade e sabe-se que 80 mil soldados romanos foram presenteados com terras, nesta região, no reinado de Augusto. Uma inundação de construções e produções artísticas tomou lugar nos tempos de Adriano e uma inscrição nos conta que Sagalassos foi chamada então, de "A primeira cidade da Pisídia", o que talvez tenha sido o estímulo para erguerem um templo de culto ao imperador.
Subindo os degraus através da Porta de Tibério, em direção a uma pequena ágora, com lojas circundando, algo estupendo acontece, ali se eleva uma parede dupla cujo centro era um grande chafariz. Este é o Nymphaeum de Adriano, mas apenas o nível inferior existe e a fonte desapareceu. Este é um dos quatro nymphaeae (ai que chique, meus deuses), em Sagalassos, pois o lugar é abençoado pelo abundante suprimento de água. As rochas calcárias filtram a água em leitos de pedra e canais trazem a água fresca e clara, das colinas circundantes.
Desde 1996, o sítio vem sendo trabalhado pela Universidade Católica de Lieven, da Bélgica, sob Marc Waelkens e já encontraram artefatos espetaculares e restauraram algumas edificações. Assim foi com o Nimphaeum central, de Antonino (construído no mesmo estilo que a biblioteca de Celsius, em Éfesus), na cidade alta, que teve seu abastecimento de água reconectado. É como ver o sangue correndo, de novo, em um corpo sem vida, ver a água corrente, que cascateia em um largo fontanário. Ele é a peça principal do sítio inteiro e levou 13 anos para ser restaurado. Com seus seis tabernáculos e nichos, que permitiam às famílias aristocráticas colocarem estátuas suas, ao lado das dos deuses.

O maravilhoso Nymphaeum de Antonino, com sua fontana, jorrando água fresca. Heroon, acima, à esquerda.
 
Detalhe do Nymphaeum de Antonino



Os pilares e cúpulas são decorados com máscaras teatrais, uvas e plantas entorpecentes (sexo, drogas e rock 'n' roll). Dionísio é grande, por aqui. Este deus e um cortejo de ninfas que dançam, está esculpido no afresco do Heroon, uma estrutura que parece uma torre, acima do Nymphaeum. Um heroon era construído em homenagem a alguém importante e este parece ter sido erigido a um jovem que introduziu o culto a Dionísio, na cidade. Marc Waelkens descreve a sua descoberta de uma estátua de Dionísio, dando a mão a um sátiro, quebrada em dois, de cabeça para baixo, dentro da bacia do nymphaeum. Quando ele a retirou de sua cama de britas, "parecia sorrir para mim, vendo a luz do dia, depois de 1400 anos enterrada".
Este Nymphaeum de Antonino, desmoronou com o terremoto do séc VI, mas a estatuária, algumas delas encomendadas à escola de Afrodisias, a oeste de lá, foram deliberadamente quebradas e atiradas na fontana, onde hoje a água novamente corre. Os cristãos não apreciavam Dionísio e seus sátiros.
Seguindo a estrada do Nymphaeum para o teatro, passa-se pela parte plebeia da cidade. Aqui era fabricada a característica cerâmica vermelha de Sagalassos, depois encontrada ao longo de todo o Mediterrâneo. Esta rua foi alargada no séc II e conduz diretamente à biblioteca e à Antiga Fonte Helenística. A biblioteca foi construída pelo mesmo bem-feitor do Heroon e é um belo edifício, com nichos entalhados na parede ao fundo, para as estátuas de deuses e fidalgos. Tem um lindo piso de mosaico.
Este edifício também foi reconstruído no século II e depois sofreu, nos terremotos dos séculos IV, V e VI. Desta vez, os cristãos zaleotes, destruíram o mosaico que representava Aquiles e encheram o edifício com entulho. Agora foi restaurada e coberta mais uma vez.
Salão da biblioteca e o lindo mosaico.
Fonte helenística, bela em sua simplicidade.

Detalhe: água límpida jorrando sempre.
 Do outro lado da rua, fica a fonte grega é um espaço tranquilo e a fonte teve a água reconectada, como o Nymphaeum de Antonino. É um pacífico edifício com três lados de colunas dóricas, que distribuía água para a parte baixa da cidade. Fomos subindo para o teatro, de onde se tem uma vista fantástica da paisagem circundante, e lá encontramos com um grupo de turistas australianos de origem grega, que estavam empolgados por terem sido capazes de ler as inscrições, na biblioteca. Este grupo acabava de chegar, porque em duas horas, de passeios pelo local, encontramos apenas um solitário turista alemão.
O teatro é uma estrutura enorme para o tamanho da cidade. Tão grande que nunca foi terminado. Tinha assentos para 90 mil espectadores e recebia plateia de toda a região. Sagalassos foi o ponto mais alto de nossa expedição romana. Marc Waelkens relata que encontrar este sítio intacto, depois de um milênio e meio, mudou sua vida para sempre, e não é difícil entender porquê.
Belvedere, a partir do teatro.